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Produção de Suportes Midiáticos

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17 de fevereiro de 2015

Tecnologias e educação: esperando Godot

Como na peça de Beckett, a tecnologia e a educação aguardam algo que nunca vem

Uma jornalista da Carta Escola, que realizava uma matéria baseada no título do recente filme Do Giz ao Tablet: por que a tecnologia não revolucionou a educação, me fez algumas perguntas sobre o tema. Como fiquei satisfeito com certas respostas, fiz alguns cortes, complementos e emendas que dão forma ao texto a seguir.

Alguns autores notam que nós podemos pensar na relação entre as tecnologias e a educação formal a partir de dois quadros de referência. O primeiro relaciona-se com ambiente “externo” à escola, deste modo há um foco (as mídias) fora da instituição escolar. No entanto, essa dimensão tecnocultural é bastante forte e interpenetra não só a escola, mas todas as outras instituições sociais. Trata-se, portanto, da forma como as mídias constituem, em si, um ambiente cultural formativo (provendo fontes de informações e oportunidades de interação, por exemplo).

Em segundo lugar, há o uso da mídia “dentro” de contextos educacionais. Neste caso, há o que se pode chamar de uma preocupação instrumental com o uso da tecnologia nos processos de ensino. É exatamente esta a ideia do “giz ao tablete”. A proposta de “revolucionar” a educação a partir desta dimensão da mídia é constante na história da educação, não apenas no Brasil – traduzi, para discutir com meus alunos, um artigo sobre as relações entre as tecnologias e a escola, nos EUA, e é perceptível a expectativa de “revoluções” (que acabam não o ocorrendo) provocadas pelo uso de meios de comunicação na educação. De fato, esta expectativa tem vários problemas, entre os quais a evidência de que uma “revolução” se dá quando os propósitos de alguma coisa mudam. A tecnologia – como elemento instrucional – nunca conseguiu alterar esses propósitos, apesar das tentativas de tornar o ensino mais “eficiente”.

A proposta de “revolucionar” a educação a partir da introdução da mídia é constante na história da educação, não apenas no Brasil

Por outro lado, a ênfase nessa dimensão “interna” da mídia na educação faz esquecer que o propósito da educação tem se alterado bastante pelo vetor externo da mídia como ambiente cultural. Talvez aí possamos perceber uma “revolução”. Em termos bastante claros: hoje qualquer estudante tem acesso a um conjunto de informações enorme a partir de algum dispositivo tecnológico. Isto abala a hegemonia da escola como “guardiã do conhecimento” e deve induzir reflexões sobre os objetivos da educação escolar. Aqui, repito, há elementos de uma “revolução despercebida”, embora paradoxalmente muito sentida, em seus efeitos, pelos professores, educadores e os próprios alunos. É possível que grande parte da crise – questões de evasão, desmotivação estudantil, etc. – da instituição escolar esteja relacionada ao fato de que nós não estamos sendo capazes de dar respostas satisfatórias a essa complexa interação entre a cultura midiática e a educação.

Tive um professor no colegial que dizia que, se queremos entender um país, podemos entrar um ônibus e observar quantas pessoas estão lendo um livro. Ultimamente, quando faço isso, uma pergunta me ocorre: celular vale?

De qualquer modo, a tecnologia não é uma “bala de prata” capaz de produzir mudanças automáticas. O que ela pode fazer, na sua modalidade instrucional ou na adoção de práticas pedagógicas que dialoguem com o ambiente midiático, é relacionar-se a processos de mudança, em certos casos, favorecendo-os. Porém, sem que ocorra um movimento coordenado numa série de outras dimensões relacionadas à educação – e a reflexão sobre os propósitos da mudança –, teremos muito provavelmente “mais do mesmo”. A tecnologia pode ser importante, mas não é tudo.

A respeito da educação ou da “Pátria Educadora” (para usar o mote do governo) existe uma pergunta fundamental, que devemos fazer enquanto sociedade e como indivíduos. A pergunta é se o quanto nós damos à educação é equivalente ao que esperamos receber. Geralmente, todos concordam quando se diz que os professores ganham salários insuficientes; no entanto a disposição social, traduzida em políticas, para tornar a carreira docente mais atrativa não tem sido grande. Quando se diz que na Coreia do Sul as avós dos alunos de escola primária costumavam assistir às aulas junto com eles, para incentivá-los, todos acham louvável; mas quando se pergunta qual a última coisa que alguém fez pela escola do filho (de maneira diferente da participação em reuniões burocráticas), é provável que a resposta seja o silêncio.

Publicado originalmente no Portal NET Educação.

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Posted in: Artigo